Eu preciso falar!

Quero falar de uma coisa.

É assim que Milton Nascimento abre o lindo poema “Coração de Estudante”, hino estudantil que tomou a boca de milhões durante o processo das Diretas Já nos anos de 1980. A juventude engajada na luta contra a ditadura abraçou fervorosamente a música, entoando-a em uníssono durante as manifestações.

De certa forma e não comparando momentos políticos, aliás, essa conversa não tem nada a ver com política, todos sempre temos algo para expulsar de dentro. Todos carregam situações, lembranças, dores, arrependimentos, distúrbios e outras coisas que precisam sair do oculto, mas o momento em que vivemos, não ajuda muito a questão.

Nosso frenesi produtivo nos impede de encontrarmos tempo para uma boa conversa. Falamos as amenidades de sempre. O futebol, o tempo, o BBB, a receita… tudo sem profundidade, sem consistência. Em sua maior parte, nossos encontros são superficiais e frequentemente regidos pelo relógio e agora pelas mensagens do celular. Pessoalmente acho um desrespeito sem tamanho conversar com alguém que não tira os olhos do ZAP. Mas é assim que estamos.

A crise atinge todo tipo de relação, inclusive aquelas que pressupõe conversas e maridos e mulheres conseguem viver sem conversar. Filhos andam com fones de ouvido fugindo do diálogo e assim estamos adoecendo. Emoções perturbadas, acompanhadas de um sentimento de solidão gigante. Demos um jeito de conviver, sem nos comunicar.

Alguns justificam o silêncio atrás do medo. Dizem que não se pode confidenciar sua vida a qualquer um. O mundo é muito mal para acessar minha interioridade.

Outros dizem que não é tão importante assim e que podem lidar com suas questões sem dar conta de sua vida a ninguém.

A igreja, que pouco faz por isso, deixa a audição das dores para o clero. O gabinete pastoral se torna o local preferido das lamúrias, as quais, nem sempre, recebem a devida atenção. A conta é simples, muitos problemas para poucos pastores.

Diante do cenário, nos restou encontrar alternativas que substituem uma boa prosa e talvez por isso e com toda propriedade é que os consultórios dos psicólogos, terapeutas e outros profissionais da escuta ativa, estão tão cheios. Mas existem outros caminhos para o desabafo acontecer de maneira adequada e grupos de apoio a escuta ativa são uma realidade ao nosso alcance.

Anos atras, fui procurado por uma querida familia da Casa, pedindo ajuda com uma grande dificuldade que eu não sabia muito bem como resolver. Assim, os encaminhei para o C.R. (Celebrando a Recuperação) que acontece em outra comunidade. Lá, foram recebidos, acolhidos e tratados em sua dificuldade. Sou muito ruim para guardar datas, mas anos depois essa mesma família me procurou novamente. Estavam cheios de gratidão pela maneira como tratamos sua dificuldade. Lembro de ter ouvido que ficaram surpresos por eu não tê-los mantido” presos” em nossa comunidade, mas enviado a este programa que pode ser o instrumento de auxílio e restauração em um momento tão difícil.

O C.R. Havia mudado aquelas vidas e em gratidão fui informado do grande desejo que tinham de serem os precursores do mesmo trabalho agora na Casa da Rocha Guarulhos. O trabalho começou com as dificuldades que sempre fazem parte das pequenas comunidades, mas foi florescendo. Mesmo perdendo pessoas, vencemos a pandemia e continuamos andando. E na última semana de fevereiro de 2024, reinauguramos o C.R. aberto, esse  trabalho que me cai muito bem ao coração.

O C.R. (Celebrando a Recuperação) se trata de um programa baseado nos 12 passos do A.A. (Alcoólicos Anônimos), mas com a diferença de ter como força maior a figura de Jesus Cristo e como base seu evangelho, principalmente as bem aventuranças.

Pense naquelas rodas de conversa, muito presente em séries e filmes americanos, quando uma pessoa fala e as demais ouvem. Sim o C.R. em sua versão aberta, proporciona esse ambiente sigiloso e seguro para que as pessoas falem aquilo que carregam em seu coração e ouçam o que os demais tem a dizer.

Pode parece banal, mas eu costumo dizer que funciona de um jeito muito especial. Trata-se de um movimento de trocas, quando alguém fala, abrindo o coração e contado suas lutas, os outros ouvem e ao ouvirem, se enxergam na luta do outro.

Basta lembrarmos que o N. Testamento apresenta uma comunidade que compartilhava sua vida.

  • Atos dos Apóstolos 2.42 (NVI): “Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações.”

Temos ainda as palavras de Paulo, nos direcionando ao convívio que cura e restaura os que ousam se desvencilhar da solidão e desconfiança, mergulhando na entrega da comunhão, dividindo a vida com outros.

  • Gálatas 6:2 (NVI): “Levem os fardos pesados uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo.”
  • 1 Tessalonicenses 5:11 (NVI): “Portanto, consolem-se e edifiquem-se uns aos outros, como de fato vocês estão fazendo.”
  • Romanos 12:15 (NVI): “Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram.”
  • Colossenses 3:16 (NVI): “Habite ricamente em vocês a palavra de Cristo; ensinem e aconselhem-se uns aos outros com toda a sabedoria e cantem salmos, hinos e cânticos espirituais com gratidão a Deus em seus corações.”

Sugiro que conheça esse trabalho e encontre o espaço que deseja para colocar suas “coisas” para fora. Você é nosso convidado!

C.R. Casa da Rocha Guarulhos – ZAP – +55 11 97621-1886

Hamilton Gomes

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DESTAQUE,VIDA

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2 Responses

  1. Pastor querido, me emocionei lendo seu blog sobre o C.R. que privilégio fazer parte desta história, obrigada por tudooooo, vc foi instrumento de Deus para tanta coisa em minha vida…. Vc não tem noção… Gratidão sempre🙏😘❤️🙌

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Latest Comments

  1. Obrigado por essa reflexão só me faz estar mais disposta a obedecer e amar o Senhor Jesus.

  2. Oi Amiga Damaris. O privilégio sempre é meu. Obrigado por sua doação e entrega àqueles que precisam falar e agora…